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Anjo Michel

 

Uma mulher grita e joga ao mundo uma criança. O ambiente é fétido, obscuro, úmido e, na solidão do parto, um clarão ilumina os dois rostos.

 

Feita a consciência do novo fato, a realidade vem à tona e essa recente mãe toma a rápida decisão, a de abandonar a sua cria à própria sorte. Mais um clarão e o pequeno menino, envolto em jornais velhos, chora antevendo sua sina. De súbito, o silêncio cálido, estático, instantâneo. E a vida corre.

 

Lençóis brancos e macios, temperatura adequada, uma equipe a receber uma criança com todos os cuidados médicos. A mãe, em parto normal, sorri feliz e acaricia o seu filho, naquele primeiro contato de pele. Um clarão se faz e o pequeno bebê é visto com as melhores roupas, compradas e aguardadas durante nove meses. Tudo é equilíbrio, silêncio e harmonia. E a vida corre.

 

Passados dez anos dessas cenas paralelas, o menino nascido na rua, que atende pelo nome de Gabriel, é visto em um quarto de uma instituição de amparo ao menor, fazendo uma tarefa escolar e vários outros ao seu redor. Entra no quarto uma senhora, que convida três dos meninos para saírem e acompanharem-na, entre eles Gabriel.

 

Na cena seguinte, uma jovem senhora aguarda a chegada da diretora da instituição, sentada em uma sala, com ares de expectativa. Entra a diretora com um dos meninos e é feita a apresentação. A visitante buscava encontrar uma criança para adoção e já tinha percorrido outros asilos e orfanatos. Conversa um pouco com o garoto, ouve a diretora falar da sua ficha e continua apreensiva. Gabriel é o próximo a entrar. Os olhares se cruzam, há uma empatia e ela fica sabendo da sua história. Pegando os registros, verifica que a provável data de seu nascimento coincidia com a do seu filho, que recebeu o nome de Michel. Um clarão mostra um leve sorriso seu nos lábios.

 

Ao ficar sozinha com a diretora, ela conta um pouco do seu passado e por quê deseja fazer uma adoção. A cena mostra Michel, aos três anos de idade, brincando nos jardins de sua casa, quando um ônibus descontrolado invade a casa e atinge a criança. A morte foi instantânea.

 

O mês era setembro. Ela volta mais algumas vezes ao abrigo na companhia do marido, que também sente que Gabriel pode ser o filho que perderam. O menino, embora desconfiado e triste, aceita a oportunidade de uma vida nova. Tomam a decisão, cuidam dos papéis e acertam levar Gabriel às vésperas do Natal.


Na noite de Natal, toda a família reunida, outras crianças e, de repente, a mãe de Michel, observando as reações e o semblante de Gabriel, vê um clarão e um anjo sorrindo e feliz, pegando na mão do novo morador da casa. A mãe reconhece seu filho e chora.


Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"

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