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Assim como a composição de Chico Buarque de Holanda em parceria com Edu Lobo, Beatriz era a melodia em pessoa, um desfilar de notas sonantes e de fazer segurar o fôlego para alcançá-las. Nada mais impressionante para uma mulher em flor. Seu caminhar tinha ritmo e fazia bater meu coração descompassadamente. Passo a passo sem compasso.
Suas nádegas redondas e delicadas moviam-se, tais quais os repiques harmoniosos. Os seios, acompanhando o gestual, teimavam em querer brincar fora do decote. E me faziam criança, à espera de uma bola rosada, não para ser chutada, mas acariciada.
Na passagem, ficava o doce aroma irreal, mistura de maçã e canela, impregnadas na sua pele morena. Era o convite para ser cheirada, comida, lambida. O rosto era emoldurado por cabelos negros e cacheados, fazendo destacar o olhar verde de fera mansa. Pura esmeralda que penetrava no meu íntimo e me fazia estalar o sexo.
Eu não era o único a sofrer com aquela visão do paraíso e, por mais egoísta que quisesse ser, ela não me pertencia. Ainda. A sua aproximação tirava todos os homens da concentração e isso ao mesmo tempo me deixava raivoso e envaidecido, por ter uma idolatria aprovada pelos da minha espécie.
Resolvi, no recolhimento do meu quarto e deitado em minha cama, naqueles momentos de reflexão e tomada de decisões, que Beatriz seria minha. Faltava armar as estratégias. Eu não me considerava nenhuma beldade, mas sabia que podia jogar o encanto masculino, na busca da conquista tão almejada.
No afã dos meus pensamentos no estilo lobo mau fui tramando as investidas, mas num relâmpago fiquei meio entorpecido e sonhei com a Beatriz bem perto de mim. Só que ela aparecia junto a outro homem, que não era eu. Meio bêbado, meio lúcido, não tinha forças para afastá-los e fui descortinando o jogo de movimentos que eles faziam em total sofreguidão.
A minha doce Beatriz fazia amor diante dos meus olhos. Sentia até seu cheiro se desprendendo da pele e perdia o fôlego no lugar do parceiro. Mas eu era expectador, platéia da cena ritmada, sem direito a aplaudir. De repente, as luzes se acendem e volto às imagens do meu espaço íntimo, olhando a prancha de surf, o tênis ao lado dos pesos de halteres, o painel pendurado com uma lamborguine último tipo.
Sentia-me derrotado e traído e, na indisciplina do raciocínio, dirigi-me ao aparelho de som e coloquei a música de Chico e Edu. A composição, de fato, tinha um quê dos românticos literários, que falava do amor inatingível, meio eufórico, meio down, mola propulsora dos poetas. Beatriz agora dançava diante de mim, numa visão utópica e platônica. Era a minha primeira paixão de adolescente.
Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"
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