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Carlos e Vera faziam um casal jovem e moderno. Com cinco anos de casados, ainda não tinham pensado no aumento da família. Trabalhavam muito com grandes promessas de conquistas profissionais e não queriam mudar esses rumos. Ela pouco tempo tinha para cuidar da casa e dos compromissos domésticos.
Outro dia, durante o almoço na empresa, ouviu de uma colega que a moda agora era contratar uma personal para cuidar da arrumação de gavetas, fazer as compras, cuidar dos arranjos da casa, pagar as contas e tudo o mais que não fosse atribuição da empregada, como limpar, lavar, passar e cozinhar. Era uma secretária completa, de nível e, para isso, precisava conhecer muito bem o gosto dos patrões.
O contato foi feito e Vera acertou com Marília para conversarem sobre a proposta de trabalho no sábado, único dia de folga do casal. Mesmo assim, no dia marcado, Carlos teve um contratempo e não pode estar presente. Depois de muito papo e de várias explicações de como deveriam ser as tarefas, salário combinado, fecharam o contrato. Duas vezes por semana eram suficientes para que tudo pudesse caminhar a contento.
O marido resistiu um pouco, pois achava que perdiam muita privacidade e, de qualquer forma, era uma pessoa estranha que passava a saber tudo o que acontecia sob aquele teto, mesmo na ausência de seus moradores ilustres. As referências foram as melhores, mas mesmo assim ainda incomodava. Resolveu dar um crédito à sua mulher e ver como as coisas seriam na prática.
Marília era criativa, de bom gosto e eficiente. Tinha aberto uma empresa desses serviços e vinha obtendo bons resultados, sem problemas até então. Mantinha contato com a empregada e quando chegava à casa procurava relacionar tudo que precisava comprar no supermercado, as contas a pagar no banco, um vaso com flores frescas, algum conserto em objetos, sempre com seu toque muito pessoal. Vera estava muito satisfeita com seus serviços.
A cama, além de lençóis bem arrumados, ganhava fragrâncias de florais suaves e envolventes. As gavetas de cada um eram tratadas com diferencial masculino e feminino e tudo era encontrado de forma fácil e funcional. As camisas eram penduradas sem qualquer dobradura e todas viradas para o mesmo lado e por ordem de cor. A perfeição reinava e o casal passou a ter mais tempo para as programações noturnas e de lazer.
Um belo dia, Carlos precisa voltar para casa antes do horário habitual e encontra a personal em seu quarto, colocando algumas coisas em suas gavetas. Toma um choque de imediato, primeiro pelo estranhamento de uma pessoa que não conhecia ali no seu ambiente mais íntimo, segundo, que não esperava que a moça fosse de uma beleza tão simples e arrebatadora. Pede desculpas, pega o que precisava e sai para a sala. Depois é Marília que vai embora e diz que no dia seguinte daria continuidade às suas tarefas.
A partir desse contato, depois de conhecer pessoalmente o seu empregador, Marília passa a ter ainda mais satisfação de ordenar suas coisas. Sentiu que Carlos tinha bom trato e era um homem fino e educado e esse aprimoramento passou a ser percebido por ele nos mínimos detalhes. Ela deixava uma essência em suas gavetas, comprava o chocolate que notou que mais gostavam e o vinho tinto que saboreavam. Ele curtia tudo isso com Vera, mas sentia que Marília era uma presença marcante e frequente em todos os movimentos da casa.
Depois de alguns meses, Carlos nutria uma admiração por aquela moça que cuidava de tudo e, sem perceber, começou a ter necessidade de mostrar a ela seu reconhecimento. Experimentou deixar na sua primeira gaveta um pequeno presente. Eram uns brincos acompanhados de um cartão com seu nome. Ele não falou para Vera, porque achou que poderia ser chamado de ridículo. Sua intenção era agradar pela dedicação. Ao ver no dia seguinte, Marília corou de vergonha, mas aceitou e deixou um agradecimento, em forma de bilhete respeitoso. Isso foi o começo de uma série de outras surpresas trocadas entre os dois, sem que Vera percebesse.
Até que de propósito, Carlos vai para casa um dia mais cedo e percebe que seu sentimento é algo muito mais forte. Marília, por sua vez, não queria demonstrar qualquer reação, mas sabe também que seu coração ficava aos pulos quando tocava nos objetos de Carlos. Ambos sabiam o que estava acontecendo, mas mantiveram a discrição e ele apenas perguntou se poderia ligar para o seu celular para conversarem. Queria e não queria, mas concordou.
Houve um encontro e, a partir desse momento, o inevitável - estavam apaixonados. A primeira providência foi a quebra do contrato de trabalho e Vera não entendeu o motivo. Depois foi a vez de o marido confessar que tinha um novo interesse amoroso e que não podiam mais ficar juntos. Mais tarde vem a saber que fora Marília a causa de tudo. Entra em parafuso e sua psicoterapeuta dá o diagnóstico fatal: "a outra conquistou seu marido pelo carinho, atenção, cuidados especiais, tudo que você não vinha fazendo. Deu de bandeja para ela! Vida a dois não é só sexo, habitar a mesma casa e dormir na mesma cama. Tem que descobrir a cada dia novos interesses pelo outro, seja no gosto, no tato, no olfato, no olhar"!
Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"
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