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Desnuda

 

Como qualquer jovem que passa a ter sua iniciação sexual, Moema achava que era um ato maquinal, a partir de algum interesse de atração, uns beijos calorosos e estava a um passo para deitar-se com o parceiro e praticar a troca de carícias e acabar com uma penetração.


Ela começou com essas atividades aos 17 anos, ouvindo as amigas e com algumas informações e cuidados que deveria ter. Não era nenhuma ignorante e conhecia os perigos das doenças sexualmente transmissíveis e sobre a AIDS. Nesse particular, sempre que podia, usava os preservativos, ou melhor, sugeria ao companheiro que usasse. Nenhuma crise. E a vida ia sendo levada. Mesclava o trabalho em uma confecção com um curso sobre moda e agora, aos 21 anos, começava a sentir necessidade de um namorado mais presente.


Mas as coisas não vinham acontecendo como aspirava e ela continuava a fazer o que gostava nos finais de semana – discotecas, shows, clubes sociais, passeios à praia, como qualquer jovem da sua idade. Ela não era uma beleza estonteante, mas também não era de jogar fora. Aliás, na juventude, tudo está no seu devido lugar.
Essa inquietação, porém, começa a tomar corpo a partir de leituras de alguns romances, em especial "Abelardo e Heloisa – Uma História de Amor", por Alexandre Piccolo, que reuniu em um livro as cartas trocadas pelos amantes em seus exílios. Moema ficou tão encantada pelas paixões e tragédias desses dois personagens, que buscou mais informações a respeito.


Na verdade, Abelardo e Heloisa foram protagonistas de um trágico romance interrompido na Paris Medieval do século XII, ela com 17 anos e ele, com 38 anos, aluna e professor. E foi descobrindo mais – um livro escrito pelo próprio Abelardo (Pedro), denominado “História das Minhas Calamidades”; depois o romance “Retratos de Amor”, de Rubem Alves; e ainda um filme retratando essa história – “Em Nome de Deus”.

 

O que a intrigava era a impossibilidade desse amor da antiguidade, só perdendo depois para Romeu e Julieta. O amor inconcretizável – eles se casam às escondidas, têm um filho e depois ele é castrado por um tio dela influente da igreja e ambos vão para conventos separados. Aí é que as cartas passam a ser trocadas. Eles só vão se unir a partir de ambas as mortes, num túmulo de mármore branco, que está no cemitério Père-La-Chaise, em Paris. Os dois descansam um ao lado do outro.


Um dos poemas escritos para Heloisa por Abelardo dizia: Fujo para longe de ti, evitando-te como a um inimigo,/mas incessantemente/te procuro em meus pensamentos./Trago tua imagem em minha memória/e assim me traio e contradigo,/eu te odeio, eu te amo. E nesse clima de romances inexplicáveis, Moema dá partida a uma nova forma de ver a vida e a relação amorosa que vinha tendo até então. Outros romances passam pelas suas mãos – “Romeu e Julieta”, “Tristão e Isolda” e até os filmes nesse sentido ganham seu interesse, como o caso de “As Pontes de Madison”.


Seu gosto de programas sofre uma mudança de rumos e até seus amigos começam a trocar de cara. Já não mais se satisfazia com banalidades e começa a estudar filosofia, psicologia e história, como autodidata. Certa feita, em um desses encontros de estudos, Moema conhece um homem, o professor que ia começar aulas sobre o filósofo Friedrich Nietzsche, assunto totalmente novo para ela.


Na aula inaugural, alguma empatia surgiu entre eles, mas não houve contato individual. Marcado para a próxima semana, o novo encontro foi coroado de expectativas para ela. Colocou um vestido que lhe caía bem, sapato alto e discretamente sentou-se na beirada de uma das fileiras do meio da sala. Durante o intervalo para o café, houve uma troca de algum comentário entre eles. Seu nome era Fausto e aparentava ter mais de 30 anos.


Para chamar mais a atenção de Fausto, Moema estudava em casa a obra do filósofo e interagia durante as aulas. Ele gostava do que ouvia e passam a trocar mais informações sobre outros livros e filósofos. O curso era de dois meses apenas e, ao fim, em uma pequena confraternização do grupo, eles se aproximam mais e fica a vontade de um encontro a dois. Naquela noite, Moema nem dormiu esperando o telefonema dele, para saírem a sós. Ela lembrava de Abelardo e Heloisa e das coincidências de idades e das situações de professor e aluna.


Fausto cumpre a palavra e saem para jantar em local aconchegante e íntimo. O clima estava propício e ambos viram ali a possibilidade de um crescimento da relação amorosa. E aconteceu. Naquela mesma noite ele a convidou para ir ao seu apartamento e tudo foi muito natural. Apesar de algumas experiências, Moema teve sensações inusitadas e descobriu que nada sabia sobre sexo e que a grande diferença estava em tirar a roupa e ficar nua para o outro.


Sentia que estava desnuda de corpo e alma, de frente, de verso, do avesso e do direito. Ele parecia merecer a sua confiança para ocorrer essa entrega total. Passou pelo seu pensamento seus anseios de vida, as histórias de amor que lera, se encantara, mas não imaginava o que podia ser. Era um grito que parecia estar preso na garganta, uma vontade de sair esvoaçante e o tempo podia parar. Nada mais precisava acontecer. Seu corpo nu estava abandonado nas mãos de Fausto, que a segurava com carinho e respeito.


Nesse momento em que ela parecia ter encontrado o seu parceiro ideal, torceu para que seu amor não fosse mais um desses casos de tragédias amorosas e que, se não fosse para a vida toda, que pelo menos ela conseguisse ficar com essa sensação arrebatadora de nudez e de prazer. Abelardo e Heloisa que os protegessem.


Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"

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