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Os últimos raios de sol fortes e intensos ainda imperavam naquele cotidiano de fim de verão. A temporada quente foi de tirar o fôlego e de encher de suor as profundezas, até deixar a todos com saudades das amenidades do clima. Nesse momento, porém, as cores começavam a ganhar novas nuances de amarelo, verde e marrom, deixando Van Gogh com inveja do cenário. Os ventos já sopravam mais frescos, levando as folhas para o além mar e contando os segredos que carregam, assoprando nos ouvidos, desarranjando os cabelos, rodopiando nos pés.
Esse era o quadro das novas temperanças que se aproximavam, mudanças essas muito benfazejas. Nas pequenas coisas de casa, os comportamentos começavam a se alternar: as gavetas colocando para dormir maiôs e shorts e deixando em primeiro plano as meias, echarpes, casaquinhos. Os pijamas se apresentando e o aconchego se instalando. Mas nem tudo é matéria e pode ser visto, pois o coração também começava a bater forte, pelas perspectivas de saborear as frutas maduras da estação, a serem comidas sem pudores e remorsos.
Estava a elaborar pensamentos sobre a influência do tempo em todos nós e senti que a renovação se instalava, lenta e gradativa, nas pequenas coisas da vida, independente da vontade. Por exemplo, ocorre o aumento da busca por novas amizades, em lugares fechados, deixando a bebida gélida de lado e degustando um vinho rubro, trazendo baco para o centro da mesa. Ainda as opções e escolhas partem para o retorno à poesia, à leitura de romances mais densos, aos pincéis carregados de tintas multicoloridas, ao recanto de uma sala à luz baixa, convidando para a audição de discos antigos e saudosos.
Essas visões me pegaram distraída e, de forma ritualística e inadvertidamente, vieram as lembranças dos vários outonos da infância, juventude, idade adulta, aguçando os sentidos vivos de cheiros, olhares, sabores, paixões. E quantos amores!... Talvez tantos quantos as estações da vida! Tudo veio à tona com essa magia da natureza, regando os interiores de água fresca e canalizando para as veias sangue novo. Era a transmutação.
A chamada meia estação, assim como a primavera, é o período da muda, da reflexão, do pensamento, da incorporação de valores. E assim me deixei levar para entrar nessa explosão dourada com espírito aberto e olhar sensível ao bem e ao belo. Chegou o outono em mim!
Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"
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