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O Corpo

 

Não há nada mais sex do que o corpo. É ele que nos leva às sensações mais maravilhosas e amá-lo representa uma auto-estima, que envolve cuidados e tratamentos especiais. Márcio sabia bem disso e no seu dia-a-dia costumava ter uma rotina de vida que incluía algumas horas dedicadas ao seu corpo. Não era homossexual, não. Toda a vez que se vê algum representante do sexo masculino com essa atenção a si mesmo, é confundido. Não era o caso dele.

 

Academia, todas as manhãs bem cedo. Depois, um belo banho e cremes hidratantes, receitados por sua dermatologista. Duas vezes por semana, massagens linfáticas e restauradoras. E tem mais: mensalmente, limpeza de pele facial e tratamento capilar.


Solteiro, com bom salário, esses gastos eram possíveis para ficar de bem com a vida. Lógico está que ele não era um narciso inveterado, porque também sabia apreciar o lado estético em outras atividades, em especial nas artes plásticas. Beleza era fundamental e, com esse nível de exigência, também levava para as escolhas que fazia de suas parceiras.

 

Um certo dia, na sua primeira atividade de musculação, ele se deparou com uma menina que não costumava frequentar a academia naquele horário. Pelo menos ele nunca a vira por lá. Enquanto pedalava nos aparelhos, pelo espelho passou a observar tão linda mulher. Ela parecia estar na medida de seus conceitos: nem muito musculosa, nem raquítica e com altura compatível. Cabelos ligeiramente presos para o alto, escondia uma cabeleireira loura de muito volume. Ele só tinha olhos para apreciar seus movimentos, que eram vigorosos e cheios de disposição saudável.

 

E pensou que precisava tentar uma aproximação, nem que fosse para ouvir sua voz e testar se causaria um resultado. De súbito, saiu da bicicleta e foi apanhar os pesos, onde ela fazia seus exercícios. E começou por falar do calor que fazia logo cedo. Ela correspondeu à investida formal, respondendo com naturalidade. A voz era firme, igual ao seu tríceps. Mas não passou disso. Depois, apenas observações mútuas, pela ótica dos espelhos.

 

A saída dela aconteceu primeiro e ele se contentou em desejar um bom dia. Pensou ele, "nada como começar uma jornada daquele jeito de alto astral e com visões positivas na sua retina". Logo também daria início às suas tarefas laborativas e aquelas imagens iriam se dissipando na memória.

 

No dia seguinte, entrou na academia com esperança de ver aquele corpo. Num relance rápido, nada da belezura. Bem, fazer o que, pensou ele, "nem todo dia tem um acontecimento matinal de primeira grandeza", e se concentrou na sua aula, observando o desenvolvimento de seus músculos dos braços e pernas. Avaliando com olhar crítico, se sentiu um Apolo, satisfeito com os resultados auferidos ao longo dos meses e estimulado para a continuidade desse trabalho corporal.

 

Quando voltava ao seu apartamento, todo suado e com o rosto vermelho, depara-se com a moça da academia no elevador. Não deu para disfarçar a surpresa. Ela, toda arrumada, parecia dirigir-se ao trabalho. O elevador foi para o subsolo para deixá-la e, mais uma vez, um bom dia pronunciado em uníssono. Ele ficou perplexo de saber que tinha uma nova vizinha, enquanto seu perfume marcante tinha ficado no elevador.

 

Os dias foram uma sequência de encontros e desencontros na academia e no prédio onde moravam, mas tudo ainda estava no nível de admiração e apreciação, disfarçadas de ambos os lados. Ela era perfeita de corpo e, tanto com roupa de ginástica, como vestida de outras formas, sua beleza era salientada. Márcio não via a hora de poder tocar naquela pele e sentir as sensações, que até então eram só do mundo da imaginação. Um dia, aconteceu dela entrar no elevador, carregada de compras e ele já estar lá. Ele tratou de ser gentil e ajudá-la a colocar os pacotes para dentro. Subitamente, houve esbarrar de braços e uma aproximação bem grande, a ponto de sentirem o calor dos corpos. O elevador parou no 6º andar solicitado por ela e ele se ofereceu para levar os pacotes até a porta do seu apartamento. Pronto, agora já tinha mais informações sobre a moça e aproveitou para perguntar seu nome. Era Cláudia.

 

Dois dias depois, o encontro ocorreu no hall de entrada do prédio. Era o momento de começar uma conversa mais demorada, que pudesse levá-los a um conhecimento mais apurado. "Você vai participar da competição que a academia vai promover no próximo mês?", perguntou ele. Cláudia respondeu que estava pensando, se teria tempo suficiente para se preparar para o embate, ao que ele aproveitou e se ofereceu para treinar junto aos domingos.

 

Como houve a adesão, estava claro que não tinha compromisso com ninguém. O domingo chegou bonito e promissor. No horário marcado, o interfone tocou e desceram para o encontro. Andaram, correram, fizeram alongamentos e depois água de coco para refrescar. O compasso entre eles estava acertado. Na volta para casa, Márcio fez um convite para ela subir ao seu apartamento para uma caipirinha e um possível almoço preparado de improviso. Cláudia pediu alguns minutos para ir ao seu apartamento tomar um banho. Ele fez a mesma coisa e ficou na expectativa da chegada de Cláudia.

 

Linda como sempre chegou com aquele perfume que ele tanto conhecia. Prepararam a caipirinha e a descontração já rolava entre eles com papos alegres. Sentaram no terraço para curtir a visão do mar e degustar o sabor da bebida. Os corpos bonitos e saudáveis estavam frente a frente à espera de um estreitamento. Ele começou por elogiar a performance de Cláudia e disse que estava enfeitiçado, ao que ela recuou ao sentir que a partida começava por esquentar. Mas foi traída pelo seu desejo de também pegar e conhecer aquele corpo maravilhoso de Márcio. O beijo começou pelo rosto e logo descobriu a boca entreaberta de Cláudia.

 

Mas era pouco. Dias e dias ele sonhara em tocá-la e beijá-la em todas as partes que havia devorado com os olhos. O momento chegara e ele foi percorrendo a nuca, os ombros, o peito, abdômen, pernas, pés, dorso, nádegas e em cada um ia sentindo a plenitude do contato. Por seu lado, Cláudia estava admirada com o parceiro, pois ele estava acima da média dos homens que já conhecera.

 

Não tinham pressa e os carinhos foram sendo sucessivos, qual um escultor que trabalha em cima de sua obra prima, avaliando os detalhes e os contornos. Para eles, o ápice da relação não parecia ser o mais importante. O contato dos corpos e pele tinha a primazia, sentindo os cheiros, a textura, o volume, músculos. Ficaram horas nessas descobertas, entre a consciência e as viagens por outros universos de cores.

 

No final daquelas contorções corpóreas, um doce torpor tomou conta de Márcio e Cláudia e, como atletas vencedores de provas e lutas, sonharam com a Grécia dos deuses olímpicos, com louros brilhantes e vestes diáfanas.


Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"

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