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Abro os olhos pela manhã e, como vem acontecendo há algum tempo, a sensação de solidão e perda toma conta dos meus primeiros pensamentos. A cama é vasta e fria. O silêncio do quarto invade paredes. Abro as janelas, relutando contra o desânimo, e o sol, com temperatura agradável, entra para iluminar o ambiente pesaroso.
É outono de cores amareladas e amarronzadas. Uma meia estação, como considera a cronologia dos tempos, nem com a força do verão, nem com o cinza do inverno, muito menos com a primavera de explosão de cores e vida.
Fico a pensar que foi justamente em um outono que descobri a força de ser feliz. Foi num fim de tarde ensolarado, caminhando pela orla da praia e pisando sobre as folhas caídas pelo vento. Aquela brisa tinha algo de benfazejo e trazia os segredos guardados. Eles iriam ser revelados instantes depois.
A caminhada cumpriu o seu prazo e a vontade de degustar um café levou-me em direção a um estabelecimento aconchegante. O cheiro dos vários sabores da Cafeteria inundava todo o local. Olhei ao redor, como querendo encontrar a melhor mesa, de forma que proporcionasse a plena reflexão. Poucas pessoas ocupavam os espaços naquela hora do dia, quase começo de noite.
Chamo a atendente e faço o pedido - "um prima qualitá médio". Minutos depois chega fumegante e apetitoso. Sorvo a iguaria com todo o prazer e fico a observar o nada, apenas contemplando o que se passa lá fora sem maiores atenções. São ruídos interrompidos pelas caminhadas apressadas, buzinas, sons de vozes infantis, latidos de cachorros ao longe. A vida é dinâmica e não espera.
Eu, nada tinha a esperar. Meu coração estava tão vazio e alheio como os ruídos desencontrados da rua. Pedi a conta e ela veio a mim pelas mãos de um senhor que não tinha percebido ser do Café. Ele recebeu e, ao trazer o troco, fez algum comentário que me pareceu simpático, mas não percebi muito bem. Saí e me misturei ao quadro da cidade.
Dias depois, volto ao local e vou direto ao balcão para um café rápido. Aquele senhor chega para o serviço e pergunta - "hoje o dia também está propício para a reflexão?" Não entendi, mas disse - "É melhor pensar do que falar o que não se deve". Ele sorriu de leve. Ao trazer a conta, ele pede desculpas, se foi mal interpretado, mas não era sua intenção. Fiz com a cabeça como que aceitando e depois me despedi.
No dia seguinte, entrando numa livraria, encontro o dono do Café folheando um livro. Percebo sua presença, mas me dirijo ao outro lado da loja e começo a ver as manchetes das revistas da semana, para aquisição de uma delas. Quando vejo, ele está do meu lado e me dirigindo um sorriso e um bom dia. Coincidiu de sairmos quase no mesmo instante e a conversa deu continuidade. Ele se apresenta e depois de conhecidos ambos os nomes, ele convida para um café em sua loja. Foi quase uma hora de conversa e um outro convite para uma saída noturna no final de semana.
Assim começou o encontro do grande amor, que passou a preencher o meu outono, com as nuances de todas as estações. A minha casa se abriu a ele, o quarto o abrigou, o meu corpo o recebeu. Tudo passou a absorver o seu cheiro, o seu jeito e as formas de todo o apartamento se moldavam a ele. Era presença alegre, vibrante e, ao longo de três outonos, pudemos viver as melhores experiências de nossas vidas. Éramos livres e loucos um pelo outro.
Mas o que era para ser eterno, acabou com sua partida, deixando as folhas mortas ao vento. Apesar de toda a solidão e da saudade, hoje posso dizer com a certeza de uma apaixonada que as vivências foram curtas, mas intensas e, quando percebo, estou de volta ao local do grande encontro, na esperança de um novo acontecer.
Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"
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