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Pelo buraco da fechadura

 

Nos últimos tempos, com o desenvolvimento das novas tecnologias e da telerealidade, a visão passou a ter uma função preponderante. O que passa pelo agrado de seus olhos, mexe com o desejo de possuir. Olhar para ter ou, simplesmente, para imaginar ter.

 

Márcio, desde a mais tenra idade, era um observador do cotidiano, impregnado de seus detalhes. Ficava horas a fio, parecendo desligado dos sons e movimentos, somente clicando tudo ao seu redor. Nada o tirava daquela concentração estática.

 

Na medida de seu crescimento, essa habilidade foi sendo mais desenvolvida e seu prazer pelas cores e formas, tanto no real, como nas artes, foi ficando mais acentuada. Sua atenção era canalizada para a TV, o cinema, a escultura, o virtual, até chegar à paixão pelos corpos, com massa e volume.

 

Homem feito e a sexualidade à fina flor, passa a ter prazeres com o olhar, preferindo revistas de nus e filmes pornográficos, a entrar em contato direto com uma pessoa. Ia ao delírio com essas visões e imaginando cenas além do que via.

 

Certa feita, descobre que de seu apartamento podia ver a casa de um homem e uma mulher em seu dia-a-dia. Passa a observá-los em horários diferenciados e eis que um dia consegue captar o ato sexual daquele casal. Tinha se transformado num vouyer de primeira grandeza. Sentia-se como se conhecesse os dois e quase se sentindo parte de suas vidas.

 

A coisa estava ficando doentia, a ponto de perder alguns de seus compromissos, para poder espiar os movimentos dos vizinhos, em especial os de cenas de sexo. Adquiriu uma coleção de binóculos, instalados cada um em pontos estratégicos das janelas e vitrôs, mas eis que um dia foi flagrado pelo homem. Este fez um sinal para Márcio e fechou a cortina.

 

Por alguns dias ficou inibido de voltar a olhar, mas ao sair de seu apartamento, numa tarde, deu de cara com o vizinho. No reconhecimento mútuo, este veio em sua direção. Trocaram algumas palavras e ambos sobem ao apartamento de Márcio. Ao olhar a vizinha sem roupa, os dois começam a transar desesperadamente, envolvidos pela mesma tara.


Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"

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