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Em tempos idos, os caixeiros-viajantes ou vendedores em domicílio eram constantes nas cidades pequenas. Isso porque a quantidade de lojas e as ofertas de produtos expostos no comércio também rareavam. De todas as áreas, a mais comum era a dos vendedores de livros e enciclopédias, pois livrarias só nos grandes centros e capitais. O mundo andava devagar e nem se pensava na existência do comércio virtual.
Somente para abrir a cabeça dos mais jovens que não tiveram contato com essa realidade, até mesmo o pão, leite, verdura, gelo, carvão faziam parte do rol do consumo de primeira necessidade e que eram oferecidos à porta. Chegavam com buzinas, apitos ou alguma forma que marcava as suas presenças na rua.
No bairro de Ana Maria, jovem adolescente, a mais nova de uma família de três filhas, uma figura era constante: o vendedor de panos e sedas. Ele, um homem de origem libanesa, tinha os traços morenos e fortes, típicos da linha oriental. Seus produtos, aos olhos de Ana Maria, vinham carregados dos contos das Mil e Uma Noites. Ela pouco sabia dessas histórias, mas sentia uma atração grande pelo que julgava representar. Ficava a admirar as dobras, as cores, os brilhos e seus desenhos criativos.
Sua mãe, como tinha três moças para embelezar, algumas vezes adquiria peças de tecidos, pois ela mesma costurava para suas ricas meninas. é bem verdade que os modelos seguiam o gosto do ocidente, nada a ver com a moda dos saris e a arte de enrolar os corpos em panos.
De todas as filhas, no entanto, Ana Maria tinha uma perspicácia e um olhar sedutor e se deixava sonhar. Numa dessas visitas, o vendedor de nome Yassar, que tinha mais do que o dobro de sua idade, por baixo de uma peça de roupa aberta, roçou a sua mão nela. A princípio, entendendo ser casual, mas depois ela sentiu que o contato fora mantido. As faces ficaram ruborizadas e não teve coragem de levantar os olhos para ele. Pediu licença e saiu da sala.
Numa próxima vez, Yassar trouxe junto com seus produtos habituais, umas jóias de pedras coloridas. Numa saída rápida da sua mãe, ele ofereceu a caixinha com o mimo e disse ser presente. Sem tempo de escutar um não, ele colocou na sua mão. Passado o susto, ele despediu-se com um aceno de cabeça e um gesto de um beijo lançado.
Para que nada fosse percebido, ela correu para seu quarto e foi admirar o que ganhara. No fundo da caixa com uma pulseira, um bilhete que dizia: - és uma primavera por teres o colorido das flores. Sentiu algo novo e inesperado, como um líquido que escorre pela espinha e explode em brasa. Foi o primeiro galanteio recebido e a primeira sensação de se sentir mulher, uma mulher da Arábia, com seus segredos e mistérios.
Colaboração: Eunice Tomé
Jornalista, Mestre em Comunicação e Escritora
autora do livro "Pequenos Contos de Viagem"
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